quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

São Paulo (12)

PAPA BENTO XVI

AUDIÊNCIA GERAL

Praça de São Pedro
Quarta-feira, 12 de Novembro de 2008

São Paulo (12)

Escatologia - A espera da parusia

Amados irmãos e irmãs!

O tema da ressurreição, sobre o qual nos detivemos na semana passada, abre uma nova perspectiva, a da expectativa da vinda do Senhor, e por isso faz-nos reflectir sobre a relação entre o tempo presente, tempo da Igreja e do Reino de Cristo, e o futuro (éschaton) que nos espera, quando Cristo entregará o Reino ao Pai (cf. 1 Cor 15, 24). Cada discurso cristão sobre as coisas derradeiras, chamado escatologia, parte sempre do acontecimento da ressurreição: neste acontecimento as coisas derradeiras já começaram e, num certo sentido, já estão presentes.
Provavelmente no ano 52 São Paulo escreveu a primeira das suas cartas, a primeira Carta aos Tessalonicenses, na qual fala deste regresso de Jesus, chamado parusia, advento, nova, definitiva e manifesta presença (cf. 4, 13-18). Aos Tessalonicenses, que têm dúvidas e problemas, o Apóstolo escreve assim: "Se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também os que morreram em Jesus, Deus há-de levá-los em sua companhia" (4, 14). E prossegue: "em seguida nós, os vivos que estiverem lá, seremos arrebatados com eles nas nuvens para o encontro com o Senhor, nos ares. E assim, estaremos para sempre com o Senhor" (4, 16-17). Paulo descreve a parusia de Cristo com tonalidades vivas como nunca e com imagens simbólicas, que contudo transmitem uma mensagem simples e profunda: o nosso futuro é "estar com o Senhor"; como crentes, na nossa vida já estamos com o Senhor; o nosso futuro, a vida eterna, já começou.
Na segunda Carta aos Tessalonicenses Paulo muda de perspectiva; fala de acontecimentos negativos, que deverão preceder o final e conclusivo. Não nos devemos deixar enganar diz como se o dia do Senhor fosse deveras iminente, segundo um cálculo cronológico: "Quanto à vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, e à nossa reunião com ele, rogamo-vos, irmãos, que não percais tão depressa a serenidade de espírito, e não vos perturbeis nem por palavra profética, nem por carta que se diga vir de nós, como se o dia do Senhor já estivesse próximo. Não vos deixeis enganar de modo algum!" (2, 1-3). A continuação deste texto anuncia que antes da vinda do Senhor haverá a apostasia e deverá ser revelado um não bem identificado "homem iníquo" (2, 3), que a tradição chamará depois o Anticristo. Mas a intenção desta Carta de São Paulo é antes de tudo prática; ele escreve: "Quando estávamos entre vós, já vos demos esta ordem: quem não quer trabalhar também não há-de comer. Ora, ouvimos dizer que alguns dentre vós levam vida à-toa, muito atarefados sem nada fazer. A estas pessoas ordenamos e exortamos, no Senhor Jesus Cristo, que trabalhem na tranquilidade, para ganhar o pão com o próprio esforço" (3, 10-12). Noutras palavras, a expectativa da parusia de Jesus não dispensa do compromisso neste mundo, mas ao contrário cria responsabilidade face ao Juiz divino acerca do nosso agir neste mundo. Precisamente assim cresce a nossa responsabilidade de trabalhar em e para este mundo. Veremos a mesma coisa no próximo domingo no Evangelho dos talentos, onde o Senhor nos diz que confiou talentos a todos e o Juiz pedirá contas por eles dizendo: Fizeste-los frutificar? Portanto a espera da vinda exige responsabilidade por este mundo.
A mesma coisa e o mesmo nexo entre parusia vinda do Juiz/Salvador e o nosso compromisso na vida aparece noutro contexto e com novos aspectos na Carta aos Filipenses. Paulo está na prisão e espera a sentença que pode ser de condenação à morte. Nesta situação pensa no seu futuro estar com o Senhor, mas pensa também na comunidade de Filipos que tem necessidade do próprio pai, de Paulo, e escreve: "Pois para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro. Mas, se o viver na carne me dá ocasião de trabalho frutífero, não sei bem o que escolher. Sinto-me num dilema: o meu desejo é partir e estar com Cristo, pois isso me é muito melhor, mas o permanecer na carne é mais necessário por vossa causa. Convencido disso, sei que ficarei e continuarei com todos vós, para proveito vosso e para alegria da vossa fé, a fim de que, por mim pelo meu regresso entre vós aumente a vossa glória em Cristo Jesus" (1, 21-26). Paulo não tem medo da morte, ao contrário: de facto ela indica o ser completo com Cristo. Mas Paulo participa também dos sentimentos de Cristo, o qual não viveu para si, mas para nós. Viver para os outros torna-se o programa da sua vida e por isso demonstra a sua perfeita disponibilidade à vontade de Deus, ao que Deus decidir. É disponível sobretudo, também no futuro, a viver nesta terra para os outros, a viver para Cristo, a viver para a sua presença viva e assim pela renovação do mundo. Vemos que este seu ser com Cristo gera uma grande liberdade interior: liberdade diante da ameaça da morte, mas liberdade também diante de todos os compromissos e sofrimentos da vida. Está simplesmente disponível para Deus e é realmente livre.
Passemos agora, depois de ter examinado os diversos aspectos da expectativa da parusia de Cristo, a interrogar-nos: quais são as atitudes fundamentais do cristão em relação às coisas derradeiras: a morte, o fim do mundo? A primeira atitude é a certeza de que Jesus ressuscitou, está com o Pai, e precisamente assim está connosco. Por isso temos a certeza, somos libertados do receio. Era este um efeito essencial da pregação cristã. O medo dos espíritos, das divindades estava difundido em todo o mundo antigo. E também hoje os missionários, juntamente com tantos elementos bons das religiões naturais, têm medo dos espíritos, dos poderes nefastos que nos ameaçam. Cristo vive, venceu a morte e venceu todos os poderes. Vivemos com esta certeza, com esta liberdade, com esta alegria. É este o primeiro aspecto do nosso viver em relação ao futuro.
Em segundo lugar, a certeza que Cristo está comigo. E como em Cristo o mundo futuro já começou, isto dá também a certeza da esperança. O futuro não é uma escuridão na qual ninguém se orienta. O cristão sabe que a luz de Cristo é mais forte e por isso vive numa esperança não vaga, numa esperança que dá certeza e coragem para enfrentar o futuro.
Por fim, a terceira atitude. O Juiz que volta é ao mesmo tempo juiz e salvador deixou-nos o compromisso de viver neste mundo segundo o seu modo de viver. Confiou-nos os seus talentos. Por isso a nossa terceira atitude é: responsabilidade pelo mundo, pelos irmãos diante de Cristo, e ao mesmo tempo também certeza da sua misericórdia. As duas coisas são importantes. Não vivamos como se o bem e o mal fossem iguais, porque Deus só pode ser misericordioso. Isto seria um engano. Na realidade, vivemos numa grande responsabilidade. Temos os talentos, somos encarregados de trabalhar para que este mundo se abra a Cristo, seja renovado. Mas mesmo trabalhando e sabendo na nossa responsabilidade que Deus é juiz verdadeiro, temos também a certeza de que este juiz é bom, conhecemos o seu rosto, o rosto de Cristo ressuscitado, de Cristo crucificado por nós. Por isso podemos ter a certeza da sua bondade e ir em frente com muita coragem.
Outro aspecto do ensinamento paulino em relação à escatologia é a universalidade da chamada à fé, que reúne Judeus e Gentios, isto é, os pagãos, como sinal e antecipação da realidade futura, pelo que podemos dizer que já estamos sentados no céu com Jesus Cristo, mas para mostrar nos séculos futuros a riqueza da graça (cf. Ef 2, 6s): o depois faz-se um antes para tornar evidente o estado de realização incipiente no qual vivemos. Isto torna toleráveis os sofrimentos do momento presente, que contudo não são comparáveis com a glória futura (cf. Rm 8, 18). Caminha-se na fé e não na visão, e mesmo sendo preferível ser exilado do corpo e habitar com o Senhor, o que conta definitivamente, habitando no corpo ou saindo dele, é sermos-Lhe agradáveis (cf. 2 Cor 5, 7-9).
Por fim, um último aspecto que talvez pareça difícil para nós. São Paulo na conclusão da sua primeira Carta aos Coríntios repete e coloca nos lábios também dos Coríntios uma oração que surgiu nas primeiras comunidades cristãs da área da Palestina: Maraná, thá!, que literalmente significa "Vinde, Senhor Jesus!" (16, 22). Era a oração da primeira cristandade, e também o último livro do Novo Testamento, o Apocalipse, termina com esta oração: "Vinde, Senhor!". Podemos, também nós, rezar assim? Parece-me que para nós hoje, na nossa vida, no nosso mundo, é difícil rezar sinceramente para que este mundo pereça, para que venha a nova Jerusalém, para que cheguem o juízo derradeiro e o juiz, Cristo. Penso que se nós não ousarmos rezar assim sinceramente por muitos motivos, contudo de modo justo e correcto podemos também nós dizer, com a primeira cristandade: "Vinde, Senhor Jesus!". Certamente não queremos que venha agora o fim do mundo. Mas, por outro lado, também queremos que termine este mundo injusto. Queremos também nós que o mundo seja fundamentalmente mudado, que comece a civilização do amor, que venha um mundo de justiça, de paz, sem violência, sem fome. Queremos tudo isto: e como poderia acontecer sem a presença de Cristo? Sem a presença de Cristo nunca chegará um mundo realmente justo e renovado. E também se de outra forma, totalmente e em profundidade, podemos e devemos dizer também nós, com grande urgência e nas circunstâncias do nosso tempo: Vinde, Senhor Jesus! Vinde ao vosso modo, da maneira que conheceis. Vinde onde há injustiça e violência. Vinde nos campos dos prófugos, no Darfur, no Kivu-Norte, em tantas partes do mundo. Vinde onde domina a droga. Vinde também entre aqueles ricos que vos esqueceram, que vivem só para si mesmos. Vinde onde sois desconhecido. Vinde à vossa maneira e renovai o mundo de hoje. Vinde também aos nossos corações, vinde e renovai o nosso viver, vinde ao nosso coração para que nós próprios possamos tornar-nos luz de Deus, vossa presença. Neste sentido rezemos com São Paulo: Maraná thá! "Vinde, Senhor Jesus!", e oremos para que Cristo esteja realmente presente hoje no nosso mundo e o renove.

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